RESENHA: ENTRE A IDEIA E A PROFISSÃO

SERRAI, Alfredo. História da biblioteca como evolução de uma ideia e de um sistema. R. Esc. Bibliotecon. UFMG, Belo Horizonte, v. 4, n. 2, p. 141-161, set. 1975.

LOUREIRO, Mônica de F.; JANNUZZI, Paulo de Martino. Profissional da informação: um conceito em construção. Transinformação, Campinas, v. 17, n. 2, p. 123-151, maio/ago. 2005.

ENTRE A IDEIA E A PROFISSÃO: UMA LEITURA SOBRE A BIBLIOTECONOMIA

1 UMA HISTÓRIA DAS BIBLIOTECAS

As pesquisas de Alfredo Serrai (1975) e de Mônica Loureiro, em coautoria com Paulo Jannuzzi (2005), propõem abordagens que auxiliam o entendimento sobre o fazer e o pensar em Biblioteconomia, CI e outras áreas cuja informação, em seus variados suportes, permeou a história das unidades que armazenavam e disponibilizavam conteúdos.

Serrai já destacava um panorama que se intensificou no século XXI. Segundo sua análise, já existia, naquela época, uma crise impulsionada pela relação demanda x serviço, observando que os serviços oferecidos pelas bibliotecas não eram proporcionais à demanda de informação (1975, p. 142).

Outra questão levantada por Serrai é a da biblioteca como lugar de construção. Para ele, existia, neste espaço, a memória coletiva das experiências existenciais, científicas e culturais do indivíduo e da sociedade (1975, p. 142).

Citam-se a necessidade de duas operações vitais à recuperação das informações desejadas: uma que permita o rápido encontro dos documentos e outra que indique em quais documentos se encontram as indicações e os dados procurados (1975, p. 143). O autor parece tratar aqui de dois conceitos amplamente divulgados na gestão de unidades de informação em nossos dias, a saber a eficiência e a eficácia.

A necessidade de uma organização de coleções torna-se cada vez mais nítida e é aprimorada à medida em que se defronta com o aumento dos livros e dos usuários (SERRAI, 1975, p. 145).
Alfredo Serrai também identifica o surgimento de produtos e serviços oferecidos por bibliotecas:

De cada códice se fornece uma descrição detalhada com o título por extenso, incipt e explicit, e à miúde também o preço pago para a cópia, e sua origem; em certos catálogos aparece a notação que indica o lugar do MS na coleção. Com o preço caminha-se para o registro contábil que, segundo alguns, seria o caráter mais marcante da biblioteca moderna […]. O primeiro registro de um catálogo interbibliotecas aparece no XII século com o Registro librorum Angliae, que reunia informações sobre o acervo de 183 mosteiros franciscanos ingleses do tempo (SERRAI, 1975, p. 145).

Pondera o autor, de maneira basilar, que “a conservação e a transmissão das aquisições elaboradas e complexas somente pode ter lugar mediante registros físicos de tipo permanente” (SERRAI, 1975, p. 141).

2 PROFISSIONAIS DE INFORMAÇÃO: PANORAMAS E DEFINIÇÕES

O artigo “Profissional da informação: um conceito em construção” (2005) é elaborado a partir da dissertação de Mônica Loureiro, que analisou a inserção da figura do Bibliotecário, como profissional da informação, no mercado de trabalho brasileiro. Aqui, trata-se de uma discussão acerca de um conceito: o de Profissional da Informação. Deixam-se de lado abordagens históricas em torno da construção da biblioteca (embora uma descrição retrospectiva sobre registros de informação e de algumas bibliotecas também esteja inclusa na pesquisa), porém o foco na atuação profissional é corrente durante a pesquisa. O trabalho é realizado em parceria com o Doutor em Demografia Paulo Jannuzzi.

Para os autores, durante o levantamento bibliográfico, notou-se que em cada estudo o termo “Profissional da Informação” adquire contorno específico referindo-se por vezes a bibliotecários e em outras ocasiões a toda a gama de profissionais de diferentes áreas de formação. O traço em comum seria que todos eles teriam a informação como seu principal objeto de trabalho (LOUREIRO; JANNUZZI 2005, p. 124).

Para Loureiro e Jannuzzi, a criação das primeiras Universidades instaura dois problemas básicos, a saber: a necessidade de livros e o acesso aos materiais. Torna-se, então, necessária a adoção de novas maneiras de disponibilizar as informações (LOUREIRO; JANNUZZI 2005, p. 128). O crescimento na produção de documentos passa a constituir acervos dos arquivos, surgindo a figura do arquivista. Loureiro e Jannuzzi afirmam a existência de relatos sobre a atuação de bibliotecários nos primeiros arquivos (2005, p. 128). Citando Burke, os autores chamam a atenção para o aparecimento de “gabinetes de curiosidades”, no séc. XVII, que eram montados nas casas de filósofos e estudiosos e que continham materiais variados. Esses gabinetes podem ser considerados a forma embrionária dos museus modernos (LOUREIRO; JANNUZZI 2005, p. 129).

Enfatizando a questão da atuação profissional, citando para isso Wilson Martins, é dito:

Até a Renascença existiam profissionais que organizavam os materiais. Do século XV ao XIX o bibliotecário era um profissional ‘contratado por instituições particulares, sem formação específica, quase sempre um erudito ou um escritor’… a profissão de bibliotecário, como atividade especializada, só apareceu no século XIX, sendo reconhecida pelo Estado como uma profissão socialmente indispensável (LOUREIRO; JANNUZZI 2005, p. 129).

No que cabe à parte histórica, buscou-se “ressaltar o desenvolvimento das várias formas de registro da informação como motivo de nascimento da função do organizador da informação” (LOUREIRO; JANNUZZI 2005, p. 132). O trabalho discute ainda as influências americana e francesa como correntes principais na formação do bibliotecário. Analisa o caso brasileiro, onde a influência das duas escolas foi perceptível. O modelo americano, todavia, prevaleceu (LOUREIRO; JANNUZZI 2005, p. 132).

Os conceitos que permeiam a Documentação também são contemplados. “A Documentação nasce pela iniciativa de Otlet e de La Fontaine, caracterizada como ‘processo que permite reunir, classificar e difundir todos os documentos de toda espécie, relativos a todos os setores da atividade humana’” (LOUREIRO; JANNUZZI 2005, p. 133).

Em um esforço para obtenção de definições, os autores salientam que a) A Biblioteconomia tem como objetivo uma democratização da Cultura e a difusão do patrimônio bibliográfico; b) À Documentação compete fornecer resumos de pesquisas por meio de artigos, comunicações e congressos, relatórios e traduções desses documentos; c) A Ciência da Informação tem como objetivo estudar a gênese, transformação e utilização da informação (FONSECA apud LOUREIRO; JANNUZZI 2005, p. 137).

Embora a pesquisa recorra às definições mais ou menos consagradas entre teóricos – inclusive apresentando uma tabela de denominações concebida por García Gutiérrez – ela deixa clara a noção de que não há definição amplamente aceita sobre o que constitui um profissional de informação (LOUREIRO; JANNUZZI 2005, p. 139-140). Diante de um desenvolvimento mundial, a informação passou a ser vista como um ativo fundamental para todos os setores da sociedade. Critica-se que, para os estudos científicos e pesquisas a respeito dessa categoria, é necessária uma delimitação clara (LOUREIRO; JANNUZZI 2005, p. 141-142). A discussão sobre o conceito de Profissional da Informação é extremamente necessária para a aceitação consolidada entre os pares (LOUREIRO; JANNUZZI 2005, p. 148).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entre os estudos apresentados decorre uma distância cronológica de três décadas. Alfredo Serrai propõe uma análise da Biblioteca como evolução de uma ideia e de um sistema a partir de uma abordagem histórica, lançando mão das visões que perfizeram as atividades biblioteconômicas através dos tempos. Percebe-se que muitas práticas consolidadas no período inicial de seu desenvolvimento histórico, enquanto unidade gestora de informações, persistem até os dias atuais.

A primeira intervenção da máquina no setor das comunicações humanas é ressaltada quando o autor discorre sobre a invenção da imprensa. Para ele, este é o maior impacto na história da civilização depois da invenção da escrita (SERRAI, 1975, p. 146). Decerto, Serrai não possuía ainda argumentos para um diálogo “de igual para igual”, em sentido tecnológico, com Loureiro e Jannuzzi (2005). Suas ponderações são direcionadas, em boa parte da pesquisa, à anatomia da biblioteca através de períodos históricos. Porém, a identificação de problemas não é negligenciada, chegando o autor a refletir sobre “a crise dos nossos [à sua época] dias, quando os serviços fornecidos pela biblioteca não são mais proporcionais à demanda de informação” (1975, p. 142). A idealização de um banco mundial de dados e informações é outro aspecto apontado por Serrai a partir da visão de Leibniz, para quem o conhecimento só poderia progredir quando os indivíduos tivessem a possibilidade de acesso à informação, centralizando o papel da disseminação diretamente sobre a biblioteca (1975, p. 152-153).

Alfredo Serrai ainda destaca a condição estática das bibliotecas, onde não havia uma adequação rápida, nem mesmo uma interação frente aos “fenômenos dinâmicos”, que seriam a causa e o efeito da produção editorial e do movimento de ideias (1975, p. 147). Neste diapasão, podem-se convergir as propostas de ambos os trabalhos abordados nesta resenha, uma vez que as transformações, no que tange à demanda, e a capacidade dos profissionais em traduzi-las, são tópicos debatidos pelos teóricos.

A ocorrência do termo “Ciência da Informação”, em Serrai, está ligada à redefinição das tarefas e a focalização da estrutura da biblioteca. Segundo o autor, o sistema de comunicação está articulado em quatro pontos: documentos, reunião, tratamento e usuário, dos quais a biblioteca ocupa as fases centrais (reunião e tratamento), com função intermediária entre os primeiros e o último. Para o teórico, o sistema apontado se coloca no quadro conceitual mais amplo da “moderna ciência da informação” (1975, p. 160).

Loureiro e Jannuzzi ressaltam um quadro recente do desenvolvimento e do posicionamento do profissional da informação em um mercado com fronteiras cada vez menos visíveis. bibliotecários, arquivistas, museólogos, analistas de sistemas, estatísticos, analistas socioeconômicos, professores universitários, jornalistas e escritores são alguns dos atores que figuram no centro dos debates sobre atuações do profissional de informação no mercado.

Destaca-se o registro da informação como ponto fundamental para o nascimento das profissões ligadas à organização e à difusão de informações (LOUREIRO; JANNUZZI 2005, p. 148).

Os autores lembram que o histórico apresentado por eles destaca a profissão de bibliotecário, que se formou inicialmente pautada em largo conhecimento cultural e humanístico, passando até a ser considerada elitista, devido ao grande conhecimento e erudição de seus profissionais, para depois mergulhar na técnica (LOUREIRO; JANNUZZI 2005, p. 148).

Ambos os artigos contribuem para uma reflexão sobre o papel do bibliotecário como figura ativa e inserida em meio às transformações culturais, sociais e tecnológicas. A diversificação dos espaços de atuação, que vão dos tradicionais aos virtuais, bem como a variedade de documentos e informações produzidas atualmente são pontos-chave para uma releitura sobre o que seja, de fato, um profissional de informação.

Thiago Cirne

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